Carta Aberta: Escolas e Covid

São Miguel Arcanjo, 17/05/2021

Senhora Dirigente de Ensino da Região de Itapetininga,

Senhores Supervisores de Ensino e Diretores das escolas estaduais de São Miguel Arcanjo,

Senhor Prefeito de São Miguel Arcanjo,

Respeitosamente, informado de possível aumento de casos de Covid em nossas escolas e após nossas várias cartas, abaixo-assinados e ofícios encaminhados ao longo do último ano de pandemia para as autoridades e instituições competentes, faço-lhes o seguinte apelo:

– em trabalho integrado, identifiquem claramente qual é a situação epidemiológica em nosso município, informando às comunidades escolares e as orientando a partir de dados reais e bem organizados e demonstrados que permitam o melhor enfrentamento da crise sanitária, e;

– em se confirmando a gravidade persistente (possivelmente crescente nos próximos dias), determinem que todos os serviços escolares sejam feitos remotamente (com exceção dos comprovadamente analisados e identificados como impossíveis de sê-lo) até que as providências mínimas de segurança, prevenção e proteção de todos estejam consolidadas.

Caso se conclua, após sua reunião e decisão conjunta, a partir de dados científicos, que há, de fato, benefícios psicológicos e pedagógicos a estudantes e profissionais de nossas escolas ao retornarem presencialmente conforme os protocolos vigentes  – justificando assumirmos tal  risco sanitário (até agora não há clareza sobre isto) –, comuniquem amplamente a sociedade sobre os correspondentes estudos e priorizem de fato a Educação, com mais rigoroso controle de circulação de pessoas pelo município, deixando apenas escolas e serviços realmente essenciais abertos.

Outrossim, conforme a resolução SE 61 de agosto de 2020 e demais normativas da Seduc, para o “retorno presencial opcional” às aulas, haveriam de estar, OBRIGATORIAMENTE,  funcionando em nossas unidades escolares várias ações ainda inexistentes ou apenas formalizadas, como:

– pesquisas de consulta à comunidade e promoção de capacitações à mesma!;

planos de contingência coerentes com os planos de ensino de cada unidade e construídos democraticamente;

– planejamento da equipe escolar sob aprovação e supervisão da Diretoria de Ensino;

cuidados com a saúde emocional de alunos, professores e funcionários;

– fornecimento e gestão adequada de produtos de higiene e equipamentos de proteção individual;

– transporte escolar com segurança;

internet de qualidade para todos, e;

– COMITÊ LOCAL DE ACOLHIMENTO E MONITORAMENTE DE PROTOCOLOS SANITÁRIOS!

Além disto, temos o grave problema ético da “permissão” para que servidores do grupo de risco voltem ao trabalho presencial se manifestarem esta vontade e assinarem um “termo de responsabilidade”.

E, sobretudo, o problema da merenda, que deveria estar melhor equacionado e adequado à situação sanitária e econômica de nossas comunidades escolares e mesmo dos trabalhadores da merenda – em sua maioria mães, arrimos de família, que poderiam estar trabalhando com maior segurança sanitária e melhores condições financeiras. A insegurança nutricional e alimentar aliada às demais vulnerabilidades sociais da pobreza e extrema pobreza de desproporcionalmente grande parcela de nossos estudantes, e também à desorganização dos setores e instituições responsáveis, retarda, quando não suprime, o atendimento deste direito básico, urgente, vital. Vemos, por exemplo, em outras prefeituras, a organização (difícil mas possível e pouco onerosa) de entregas de marmitex para estudantes e suas famílias através do serviço da merenda. Bastaria que concentrássemos nosso diálogo nisto e não em entregas de apostilas, por exemplo.

É inócuo e não é justo agirmos como se a responsabilidade maior pela solução de todos estes complexos problemas – que aqui resumo em “aprendizagem”, “segurança alimentar e nutricional” e “acolhimento emocional” – seja das escolas, ainda que elas estivessem preparadas e tivessem os necessários suportes estruturais e infraestruturais para cumprir minimamente as normativas e protocolos obrigatórios acima relacionados. Estamos, veladamente, responsabilizando os profissionais da educação por medidas e providências que eles não podem nem devem assumir sozinhos, muito menos por uma falsa-culpa, medo ou mesmo “dó” dos alunos. É óbvia e evidentemente necessária uma articulação intersetorial, em que, entre outros, Diretoria de Ensino, Conselhos Municipais, Secretarias de Educação, Saúde e Assistência Social, Conselho Tutelar, Ministério Público e Vereadores, delimitem o problema local e determinem as medidas cabíveis, assumindo, com a escola e a comunidade, as responsabilidades e consequências provenientes do retorno ou não-retorno presencial.

Não estou conseguindo compreender – e peço ajuda para isto – por que estamos falando de currículo paulista, BNCC, competências e habilidades, faltas, notas etc., quando o número de doentes, famintos e enlutados cresce entre nós; se as melhores pedagogias dizem que só há aprendizagem verdadeira a partir do contexto do educando, e nosso contexto sugere que nossas aulas, conversas e projetos sejam voltados para a saúde física e mental de nossos estudantes.

Assim,

– enquanto vivemos uma situação de total insegurança, desinformação e subnotificação com relação à Covid em nossa cidade;

– enquanto não respondermos claramente “quais os resultados positivos objetivamente demonstrados na aprendizagem e na situação emocional de nossos estudantes que justifiquem o retorno presencial quando houver razoável segurança e preparo;

– enquanto os comitês locais não analisarem, discutirem e orientarem a comunidade sobre a situação de cada escola em nosso município, estaremos, ao insistir nas aulas e demais serviços presenciais, nos omitindo perante à nossa possibilidade de minimizar sequelas e mesmo mortes entre nós, e, no mínimo por negligência, imprudência e imperícia, assumindo a culpa por uma situação injustificavelmente descontrolada, em que, ao invés de aproveitarmos a crise como oportunidade de aprender e melhorar, reforçamos entre nós a indiferença e o pragmatismo que tanto nos mantém distantes de uma escola e um mundo melhor.

Prédio escolar, embora importantíssimo, não é a escola! Trabalho e aula presenciais, embora imprescindíveis, não são as únicas maneiras de trabalhar, de aprender, de estarmos presentes e unidos! Talvez seja hora (talvez tenha passado muito da hora, mas sempre é tempo!) de aprimorarmos nossa organização de trabalho, nossos estudos pedagógicos e nossos serviços públicos em favor dos mais vulneráveis, enquanto nos preparamos para, mais à frente, vacinados e menos fragilizados, retomarmos as atividades presenciais.

Sem arrogância e como sincera súplica aos senhores para que liderem este diálogo, peço que tenhamos a coragem e a humildade de deixarmos os conflitos políticos e ideológicos que obstruem nossa visão e nosso comprometimento com o que realmente importa neste momento, fundamentando nossas decisões locais na Ciência, no diálogo democrático e na Ética.

Rodrigo Castro Francini Rocha 

Especialista em Ensino de Filosofia pela UFSCar e membro do Conselho Diretor do Observatório Popular Cidade do Anjo. É formado em Letras pela Associação de Ensino de Itapetininga e em Pedagogia pelas Faculdades Integradas de Ariquemes-RO. Foi professor de Língua portuguesa da Educação Básica da rede de ensino estadual Paulista por 11 anos e atualmente exerce o cargo de Diretor de Escola da mesma rede pública. Foi presidente do CMDCA de São Miguel Arcanjo e se dedica atualmente a estudos e práticas relacionados aos direitos da juventude e à gestão democrática da Educação.

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